terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Marrocos em BTT

Fazer a travessia de Marrocos em BTT, e em autonomia. Este foi o objectivo que uniu Tiago Costa a Sérgio Saltão. Das dunas do Sahara às neves eternas do Atlas. A vontade de fazer algo diferente e conhecer desta forma uma cultura cheia de misticismo.

Aqui fica o diário escrito durante essa viagem...

Porto -Sexta-feira, 29 Abril 2005

Falta menos de um mês para a partida, como bons portugueses deixamos tudo para a última! Ainda falta tirar passaporte, arranjar material, rever itinerários... enfim ultimar todos os pormenores. Mas nós já entramos no espirito de Marrocos, calma... sem pressas...Como apenas somos dois e vamos em autonomia a logística é pouca, a maior preocupação é ter o material e toda a documentação pronta. O itinerário, alojamentos, alimentação... isso lá se vê na altura. Apesar de termos um traçado definido, ele não é rígido. Mais importante que o destino é a viagem. Esta é a vantagem da autonomia, a liberdade total! Temos um mês para viajar por Marrocos, se não der por um sitio iremos por outro. Eu pessoalmente tenho três objectivos que não queria abdicar: dormir no Sahara, ascender o Toubkal e visitar Marrakesh.Os planos de treino foram todos gorados, tínhamos planeado fazer treinos conjuntos na Serra da Estrela, eu ainda nem sequer andei com a bicicleta carregada! Nem pedalei mais de 30 km seguidos! Mas isto não me preocupa muito, apenas quero partir, depois logo se vê. Mas lá no fundo algo me diz que deveria ter treinado mais, pode ser que este meu excesso de confiança compense a falta de treino... ou não... O Sérgio tem uma boa forma física e bastante experiência em bicicleta. Ele já tentou uma travessia integral de Marrocos em BTT, saindo de casa em Lisboa. Conseguiu fazer metade, nós agora vamos lá completar. Também já tentou ligar Lisboa aos Picos da Europa, teve de abandonar em Bragança após um acidente ter acordado numa carrinha a caminho do hospital... Ele tem a reputação de nunca completar o que inicia, também tem sempre planos um pouco arrojados. Como a vez que tentou fazer a trans-pirenaica em solitário e também em autonomia total, abandonou após uns dias de angustia total! Esta é a minha companhia para a viagem... isto promete!TC

Ceuta 13h - Quarta-feira, 25 Maio 2005

Boas praias, e um ambiente agradável. Foi assim uma boa surpresa ao chegarmos a Ceuta, após 11 horas de uma viagem bem complicada.Logo em Lisboa informaram-nos que não transportavam as bicicletas na camioneta… Caiu-nos tudo! Mas após muito pedir e um telefonema para a sede lá acederam ao nosso pedido. Isto sem garantia que a empresa espanhola as transportava até Algeciras, pois devido ao tráfico de droga é expressamente proibido transportar caixas.Mas para nós tudo era melhor que ficar logo ali por Lisboa, quanto mais sairíamos de Sevilha de bicicleta.Ao chegar a Sevilha ainda tivemos de dormir uma hora no passeio até a nossa camioneta chegar, e foi para nosso espanto que o motorista nem saiu da camioneta para ver as malas. Eu e o Sérgio nem pensamos duas vezes, metemos as bicicletas e entramos.Chegados a Algeciras foi montar as bicicletas e entrar no barco rumo a Ceuta.Ceuta é uma mistura entre um país europeu e uma parte Africana. É também uma cidade fortemente policiada.No centro parece que ainda não saímos da Europa, com a excepção dos Marroquinos serem em grande número.Junto à fronteira a miséria é total! Barracos apinhados e podres, casas em construção há uns séculos e que pelos vistos vão permanecer assim durante muito tempo, no entanto a famosa antena parabólica encontra-se agarrada a como carraças a cada barraco...Aproveitamos o dia para comer e passear pelas praias!
TC SS

Chefchouen 19h - Sexta-feira, 27 Maio 2005

Distância: 102 km
Velocidade Média: 16 km/h
Tempo a pedalar: 6h

Passar a fronteira foi um pesadelo, aliás como foram os primeiros quilómetros aqui em Marrocos.Muita miséria, uma realidade realmente terrível como o Sérgio descrevia.As estradas são muito boas, embora não tenham passeios, o asfalto está quase sempre em boas condições o que ajudou em grande parte do percurso.Os problemas no percurso começaram na passagem junto as montanhas do Rif, o declive era mesmo muito acentuado, subidas muito íngremes, enfim um pesadelo duro de ultrapassar. Como já seria de esperar o Sérgio está em óptima forma, eu... Bem para quem nunca tinha andado carregado e nunca tinha pedalado mais de 20 km de uma vez acho que me safei (dentro dos possíveis). Ele acaba por sofrer um pouco com a minha condição física mas felizmente é uma pessoas muito paciente, e tal como acordado nunca pedalamos sozinhos. Andamos sempre juntos!Não sei como está o tempo em Portugal mas aqui está mesmo muito quente, o que não ajuda em nada. Para o “marroquino” do Sérgio é apenas mais um dia no campo, enquanto que eu sinto-me dentro de uma torradeira.Ao chegar a Chefchouen fomos presenteados com uma subida de 5 km, com mais de 12% de inclinação, isto tudo sem almoçar. Era nossa intenção chegar a Chefchouen antes do almoço… Foi um pesadelo!Mas o dia correu bem, sentimo-nos em forma (se calhar deveria ter treinado mais).O plano da viagem continua a ser cumprido, estamos com um bom andamento.Chefchouen e uma cidade interessante e bonita, dá gosto percorrer as suas pequenas ruelas no emaranhado das pequenas habitações caiadas de branco e azul forte.Amanha espera-nos mais uma etapa de 110 km, sem saber onde vamos dormir. Mjara não tem quase casas nenhumas, vamos ter que improvisar.
TC e SS

Mjara 22h – Sábado, 28 Maio 2005

Distância: 130.47 km
Tempo a pedalar: 7h16
Velocidade Média: 17.90 km/h
Velocidade Máxima: 62 km/h

Saímos por volta das 7h30 de Chefchouen, o caminho seguia a descer durante 7kms.Nota-se uma grande diferença em relação ao dia de ontem, pois hoje apanhamos grandes campos de trigo e olivais e umas plantas proibidas. Passámos uma zona de produção de azeite, que deixa no ar um doce cheiro... Que saudades de bacalhau demolhado em azeite!Encontrámos pelo caminho vários lagares, e a cerca de 6 km de Ouazane paramos num deles para comprar azeite e mel… Humm!Continuámos a passar por grandes zonas de searas, onde podemos ver grupos de mulheres a cortar o trigo à mão e a transporta-lo em mulas. Mais à frente, um miúdo começou a pedalar ao nosso lado, e o engraçado foi que as suas únicas palavras que se perceberam dele foi quando falamos do Figo, o miúdo reconheceu logo o jogador e começou a gritar o nome dele.Acabamos por nos enganar e fomos parar à Barragem de Al Walda em vez de Mjara, só demos conta do erro 4 km depois de o cometer.Como estava o dia a terminar e não tínhamos sítio para dormir pensámos em montar a tenda.Parámos num café para descansar e ao falar com o seu dono ele deixou-nos ficar lá dentro, o que foi óptimo. Jantamos pão com o mel e azeite comprados de tarde, e que bem que nos soube! Dormimos como anjinhos, não sei se foi do mel, do azeite ou da viagem. TC e SS

Fés – Domingo, 29 Maio 2005

Distância: 107 km
Tempo a pedalar: 6h
Velocidade Máxima: 60 km/h

Ao sairmos de Mjara tomámos o nosso pequeno-almoço, dois queques e meio litro de leite servido numa saca plástica. O leite ainda cheirava a vaca e tinha grandes gomos de gordura… Que bom! Que rica dieta!A estrada seguia plana, o que deu para fazer boas médias.Decidimos parar para almoçar por volta do meio-dia. A ementa ditava, meio pote de mel e meio litro de água. Realmente a agência de viagens não nos enganou! Seria uma expedição doce como o mel!O caminho começou a subir bastante e fazia por volta dos 40 graus, imaginem o nosso almoço ali ás voltas...No final de uma subida brutal conseguimos avistar a cidade de Fés, e foi uma imagem assustadora. Do lado norte da cidade elevam-se grandes colunas de fumo vindo das lixeiras, casas é até perder de vista (aqui moram 1 milhão de pessoas). Mais tarde terão possibilidades para ver as fotografias.Ao entrar em Fés enganamo-nos novamente no percurso e fomos parar a um Cemitério, não é mau pois a cidade é tão cinzenta que não foge muito ao cemitério.Decidimos dormir no Hotel Comercial, em Fés El Jedid, perto de uma praça de comércio fantástica. Aqui aproveitamos para tirar a barriga de misérias.Jantámos num tasco onde as baratas passeavam em cima da mesa, e o Sérgio bebeu água do mesmo copo que todos usam para beber… Penso que foi esta a razão pela qual dormiu como um anjinho. TC e SS

Fés - Segunda-feira, 30 Maio 2005

Dia de descanso

Hoje tirámos o dia para repousar antes da subida ao Médio Atlas.Fomos aos correios, ao banco, telefonar para casa. Aproveitamos também para fazer um almoço de fruta e rever as bicicletas que ainda não deram qualquer problema.De tarde decidimos apanhar um táxi e visitar Fés El Bali, a zona mais antiga.Ao chegarmos a Fés pagámos a um Marroquino para ser nosso guia na Medina… Grande Erro!!!Logo que começámos a andar afastámo-nos da zona mais movimentada e entramos em ruelas escuras e estreitas. Reparámos que há outro que nos segue, mais tarde apresenta-se como sendo da família do nosso guia.Andámos às voltas sem ver nada, eles segredavam algo entre eles e foi aqui que nos apercebemos que estaria a correr algo de errado… Se eles quisessem fazer algo nós não tínhamos forma de escapar.Para acabar fomos a casa da família dele beber chá e ver as vistas sobre a cidade. Felizmente conseguimos que ele nos levasse a praça de táxis pagando 40 Dhms [4 euros].Fés é extremamente grande e confusa daí que pensamos que a melhor e mais rápida forma de conhecermos a cidade seria com ajuda de um guia. Afinal nem todos os marroquinos são sérios e talvez tivéssemos conhecido mais da cidade, para além de não termos passado pelo stress. TC e SS